8 de jun. de 2007

Publicidade no cinema não dá

Quinta à noite. Feriado. Cinema (ainda que circuito...). "Piratas do Caribe 3", depois de ter visto os últimos dois no fim de semana anterior, em DVD. A sessão começava às 20h10, mas lá pelas 19h50 a fila do gado no Cinemark do Metrô Santa Cruz tinha dois, três corredores. Eis que abrem a porteira, e lá pelas 20h15 a sala já está praticamente completa. As luzes esmaecem —vai começar o filme.

Vai? Vai nada. Se fossem só os trailers tudo bem. Mas os espectadores fomos saraivados por 15 minutos de publicidade antes de os trailers começarem —e depois de pagar absurdos R$ 17 por um ingresso, R$ 3,50 (?!) numa caixa de Mentex.

Tudo bem quanto ao Mentex, a gente sabe que até ambulante de porta de estádio abusa mesmo. Só que os 15 minutos de publicidade não descem pela garganta.

Há muitos modelos de renda na mídia —desde o baseado em assinaturas, meramente, até os completamente baseados em publicidade. Normalmente, estes últimos costumam reduzir o preço ao consumidor exatamente por serem sustentados pelos anunciantes. Mas com o cinema, o preço do ingresso só faz subir —e com quem fica a fatia da publicidade? Já chegam os trailers (que são peças publicitárias, mas sobre cultura, ao menos, e não shampoo anticaspa). A sensação de espera enquanto aparecem os anúncios é insuportável. E, se ainda não bastasse, depois da exibição dos trailers ainda houve mais duas peças publicitárias antes do início do filme. Haja!

Pirataria é feio, pai

Um dos comerciais, patrocinado pela MPAA (Movie Picture Association of America, associação/lobby dos estúdios de cinema dos EUA), chamou a atenção. É a nova tentativa de imputar culpa à pirataria, fórmula que também as redes de TV à cabo têm seguido —um pai dá de presente um filme pirata ao filho, que em seguida lhe conta ter tirado nota 10 depois de copiar a prova de um colega. Colar é feio, não é? Joga-se com culpa e certo-e-errado, ok. Mas com valores absolutamente deturpados —um é a aquisição e o compartilhamento de conhecimento; outro, seu monopólio e mero uso para objetivos pessoais— e em um momento em que as tecnologias colaborativas e a Web surgem para questionar os valores atuais em suas bases —direito autoral incluso.

Não questionar a instituição acadêmica "prova" (renderia um ensaio, não um post). Mas vou me divertir um pouco em comparar o comercial a um detalhe de "Piratas do Caribe 3" (alerta spoiler - se não viu o filme, pule de parágrafo): na continuação da série, a Companhia das Índias Ocidentais promove uma "caçada" aos piratas para dominar os mares; para tal caçada, domina o mais temido dos navios piratas, o Flying Dutchman, comandado por um ser inescrupuloso.

Ora, o objetivo de Hollywood e de toda indústria que se preze é dominar o mercado (que o digam bancos e bolsas de valores). E a indústria cultural agora quer que os piratas sintam "culpa" pelo que fazem. Não sentem-se eles nenhuma culpa pelos 20 minutos de publicidade no cinema, sendo que os espectadores já pagaram o ingresso? Não sentem culpa por trasformarem arte em produção industrial, com metas de faturamento, campanhas de marketing ou taxas de recall?

Lembro de um artigo que escrevi há cinco anos na Folha Online. Continuo acreditando que a pirataria será o fantasma constante da Internet. Isso porque a "pirataria" é o ícone de uma geração que não aceita de pronto o que lhe é dado; de uma geração que navega, que, embora manipulável em outros níveis de consciência (também ligados ao consumo), questiona o que lhe chega com mais do que um controle remoto na mão.

Culpa? Sinta-a você, Hollywood. Como diz um de seus heróis, "um grande poder traz uma grande responsabilidade". E o mundo, hoje, curva-se diante de seu poder (com ou sem 20 minutos de publicidade). O que anda fazendo com sua responsabilidade, além de lucrar?

2 comentários:

Talita disse...

Resta-nos ter a coragem de dizer "Once was enought"...

Anônimo disse...

é, não li seu artigo, mas concordo em termos. porque, se esta dimensão da pirataria é possível, há também uma outra: as pessoas precisam sobreviver. e muitas encontram na pirataria um respiro. mas não propriamente um respiro caribenho, rs.